Este artigo foi originalmente publicado em 20 de julho de 2018. Para ler sobre outros projetos icônicos de arquitetura, visite nossa seção Clássicos da Arquitetura.
O Parque Ibirapuera constitui-se de um marco na cidade de São Paulo e na arquitetura moderna brasileira. Abrigando um conjunto de cinco edifícios culturais conectados por leve e sinuosa marquise, o projeto concebido pelo arquiteto Oscar Niemeyer em harmonia ao paisagismo, é como uma poesia pairando na malha urbana paulistana.
Com projeto encomendado em 1951 pelo Governador Lucas Nogueira Garcez, responsável por instituir uma comissão idealizadora composta por representantes dos Poderes Público e Privado nas comemorações do IV Centenário da Cidade de São Paulo, decidiu-se que o parque tornaria-se marco para a capital, servindo como importante chave cultural e de lazer. A ideia, que já havia sendo discutida anteriormente por Ciccillo Matarazzo, permitiu então a idealização de uma proposta que abrigava um conjunto de edifícios de caráter cultural e artístico.
O projeto acabou não sendo finalizado a tempo para a comemoração do aniversário de 400 anos da cidade, em janeiro de 1954. Sete meses depois, o parque foi inaugurado e a extensa área de mais de 1,5 milhões de metros quadrados, conformado por importante perímetro e eixos viários paulistanos (Avenida Pedro Álvares Cabral, Avenida Vinte e Três de maio, Avenida Quarto centenário e Avenida República do Líbano), instituiu o harmonioso arranjo.
Para conectar os edifícios implantados na grande área verde, o arquiteto teve a genialidade de conceber não apenas pisos às áreas pisoteáveis, mas uma enorme marquise de forma orgânica– permitindo a fruição entre diversos pontos e edifícios no extenso perímetro verde, servindo como proteção e também como ponto de encontro.
Com aproximadamente 27 mil metros quadrados, a extensão sinuosa revela a importância das áreas livres e edificadas, possibilitando área sombreada em meio aos pilotis circulares, originalmente pintados de cinza, mimetizando-se com a sombra, e consequentemente parecendo fazer flutuar a cobertura.
Sobre o brilhantismo do projeto e concepção da marquise, Paulo Mendes da Rocha declarou:
“Veja o exemplo do Parque Ibirapuera, a importância da sabedoria, o tino de Niemeyer. Oscar é uma figura extraordinária, a quem nós deveríamos amparar historicamente. Quando foi chamado pelo Ciccillo Matarazzo para projetar o parque, não havia uma cartilha, não se aprendia na escola. Ele criou grandes edifícios propícios a exposições e unidos por uma marquise. Ao invés de a população se dispersar pelo parque, se concentraria naquele lugar. Oscar teve a clarividência de perceber que uma cidade como esta, o centro industrial da América Latina, só poderia ter um futuro brilhante”. [1]
Além da marquise, no arranjo de edifícios dispostos sobre o parque, encontram-se:
Palácio das Exposições
O Palácio das Exposições, batizado como Pavilhão Lucas Nogueira Garcez, e popularmente conhecido como Oca, foi concluído em maio de 1954. O edifício de planta circular erguido através de uma grande cúpula foi concebido como um fina casca em concreto armado sobre sistema de nervuras em arcos diametrais descarregando seus esforços diretamente no solo.
Internamente, os quatros pavimentos são dispostos de modo independente à casca externa. Permeado por sinuosas rampas, sua estrutura independente permite indeformabilidade da forma. Todas as lajes são concebidas a partir do sistema “caixão-perdido”. Sob a casca externa, um conjunto de trinta e três janelas circulares perfuram as esbeltas paredes, trazendo luz natural à área expositiva.
Palácio dos Estados
Originalmente batizado de Palácio dos Estados, o edifício concluído em Novembro de 1953, foi construído em apenas 11 meses, tendo sido sede da Prodam, Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Município de São Paulo e atualmente abrigando o Pavilhão das Culturas Brasileiras.
Historicamente, o edifício abrigou exposições dos Estados brasileiros, na inauguração do Parque. Posteriormente, durante a II Bienal de Artes Plásticas do Estado, serviu como palco às inúmeras obras.
O volume branco em concreto, com desenho simples e purista, dispõe de um conjunto de pilares na área interna, permitindo fluidez e planta livre. Na área externa, pilares assimétricos em “V”, sustentam o edifício como mãos francesas, numa elegante composição.
Os acessos aos diferentes pavimentos são feitos por largas rampas, que além de conduzir o visitante de maneira surpresa na transição entre os pavimentos, ainda permitem fácil percurso das obras à montagem de exposições.
Palácio das Nações
O Palácio das Nações, atualmente nomeado como Pavilhão Manoel de Nóbrega, funciona como sede do Museu Afro Brasil e foi concluído em dezembro de 1953, dispondo de 11 mil metros quadrados construídos, divididos em três pavimentos.
De mesma ordem como outros edifícios, têm acesso conduzido pela sinuosa marquise.
Com caixilharia recuada, o extenso volume branco superior parece solto, apoiado por esbeltas colunas inclinadas a 45º funcionando como “mãos francesas”. Consequentemente, o desenho sutil dos apoios acaba por propiciar liberdade ao caminhar do público em área coberta.
Palácio das Indústrias
Concluído em março de 1954, o Palácio das Indústrias, atual Sede da Fundação Bienal de São Paulo, dispõe de prédio com 250 metros de comprimento por 50 metros de largura, erguido numa malha de 10 metros por 12,5 metros, viabilizando liberdade interna e também para que Niemeyer projetasse cada um dos elementos de fachada (brises soleil e caixilharia) respeitando a disposição estrutural.
Um dos destaques do edifício é sua fluidez. Apesar de volume puro, definido por linhas retas e dúcteis na fachada, a intenção por afastar a caixilharia, permitindo balanço, trouxe leveza estética a quem passa na frente.
Internamente, as lajes com desenho serpenteadas e sistema “caixão-perdido” em sintonia às rampas sinuosas, quebram a estaticidade que possivelmente o edifício poderia assumir caso Niemeyer tivesse optado por extensas lajes em linhas retas.
Os acessos aos diferentes pavimentos acontecem por meio de rampas: uma rampa externa que leva o pedestre ao terceiro piso; a rampa interna com desenho especial ao pilar que a apoia, nascendo ao centro e abrindo-se como dois braços, sustentando-a.
Com pés direito duplo e triplo, para abrigar as grandes exposições e instalações, os salões, com guarda-corpos serpenteados, reforçam a ideia de movimento a quem transita pelo espaço.
Auditório Oscar Niemeyer
O auditório Oscar Niemeyer ou Auditório Ibirapuera, como chamado pela grande maioria dos paulistanos, não foi construído à ocasião da inauguração, mas já era previsto.
Um trapézio branco, com um grande foyer purista e rampa sinuosa convidando o espectador a subi-la e caminhar pelo espaço observando sua pureza geométrica à medida que se elevava. Na área em questão, a sala branca recebe um elemento de força, uma grande escultura orgânica vermelha da artista Tomie Ohtake, cobrindo parte da parede principal e forro.
Ao chegar ao ponto mais alto da rampa, o espectador chega ao nível do auditório. Ao fundo do palco, uma extensa porta, escondida por cortinas, pode se abrir ao gramado externo, criando uma nova perspectiva e palco, possibilitando abrigar milhares de espectadores em shows e espetáculos artísticos.
Museu de Arte Moderna
Edifício concebido pela arquiteta naturalizada brasileira, Lina Bo Bardi, quem tinha boa relação com Niemeyer, à intervenção para a concepção deste museu foi feita sem nenhuma consulta ao arquiteto, o que gerou comentários na época.
Instalado sobre a marquise e não solto, como os demais edifícios culturais, o museu foi pensado não como um prédio museológico integral, requerendo área técnicas e de conservação, mas como uma galeria a receber obras e instalações temporárias, por meio de programa diferenciado.
Palácio da Agricultura
Concluído em Novembro de 1953, funcionou como Sede do Departamento Estadual de Trânsito do estado de São Paulo (Detran-SP) até 2009, quando tornou-se acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.
Fato curioso é que o edifício não se encontra dentro do perímetro do parque, mas faz parte do conjunto de prédios ligados ao mesmo, Interligado por uma passarela aos pedestres sob a Avenida Vinte e três de Maio.
Os elementos que o compõe, como os outros prédios, trazem expressa a magnitude de Niemeyer, como os apoios simétricos em “V”, planta livre e térreo liberado, conferindo parte dos preceitos corbusianos.
Além destes, o parque ainda recebeu Ginásio externo, projetado pelo arquiteto Ícaro de Castro Mello; um obelisco, centrado na Praça Ibrahim Nobre, na frente do parque; Monumento às Bandeiras na Praça Armando de Sales Oliveira também em frente ao parque; Planetário; e ainda o Pavilhão Japonês, construído no Japão e trazido por navio, selando a união entre as culturas.
Em sintonia ao arranjo de edifícios, o arquiteto Oscar Niemeyer, em poucas palavras descreveu:
“Para a entrada do Parque Ibirapuera foi sempre prevista uma praça, tendo em cada lado um edifício, a cúpula destinada a exposições e o Auditório. Uma praça importante, com o piso coberto de placas de concreto. A cúpula foi o primeiro prédio a ser construída, uma forma pura toda pintado de branco. E foi para preservar a unidade arquitetônica da praça que procurei fazer o Auditório com uma forma igualmente simples: um triângulo pousado na praça. A marquise que servia de entrada ao Ibirapuera ficou como que cortando a praça em duas. E, como é imprescindível eliminar tal desacerto, pedi que uma parte dela fosse suprimida, dando-lhe uma força arquitetônica mais bonita, como mostram os desenhos e fotos anexos. Contrariar o que proponho, mantendo a praça dividida em duas, é desmerecer o Parque Ibirapuera, tão importante para São Paulo”. [2]
Findo, o arranjo de edifícios em que a construção do parque permitiu foi significante à Cidade e seu desenvolvimento cultural, ainda permitindo que o arquiteto testasse sob a oportunidade única, a possibilidade de construir os edifícios harmoniosamente uns aos outros, de modo fluído e com sabedoria.
Notas
[1] DA ROCHA, Paulo Mendes. Revista Bravo, maio 2006. In: SCHARLACH, Cecília. Oscar Niemeyer – A marquise e o projeto original do Parque Ibirapuera. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.
[2] NIEMEYER, Oscar. In: SCHARLACH, Cecília. Oscar Niemeyer – A marquise e o projeto original do Parque Ibirapuera. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.
Referências
SCHARLACH, Cecília. Oscar Niemeyer – A marquise e o projeto original do Parque Ibirapuera. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.
Equipamento Parque do Ibirapuera. Disponível em: <http://parqueibirapuera.org/equipamentos-parque-ibirapuera/oca-do-ibirapuera/>. Acesso em 09 Setembro 2017.
- Área: 1 m²
- Ano: 1954
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Fotografias:Manuel Sá, Estúdio Flagrante, Pedro Kok, Matheus Pereira